Mulheres, jornalistas e o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa - não necessariamente nesta mesma ordem
Já passa de meia-noite e por isso já encerramos o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. Sites como o do Reporters Without Borders (Repórteres sem Fronteiras) ou Knight Center of Journalism registram diariamente ameaças, abusos e mortes de jornalistas por todo o mundo, com destaque para México, Venezuela, Oriente Médio, entre outros. Mas poucas são as abordagens diretas a casos de estupro e de violência a mulheres jornalistas. Lara Logan, correspondente da CBS, cobria em fevereiro a queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, quando foi estuprada por algo entre 200 e 300 homens. Não é engano de digitação, nem de leitura, nem exagero: é realidade, triste, mas real. E é realidade também que as mulheres sofrem com essa violência muito mais do que imaginamos no Egito - considerado um país pouco afeito aos radicalismos ao ponto da própria notícia da presença de um ditador por tantos anos ter surpreendido muitos, mas obviamente é um país com abertura para ditadores e estupradores, estes de certa forma bastante tolerados. Vale, ainda, a lógica do "o que é que ela foi fazer lá", "ela 'pediu' isso", e por aí vai. E, infelizmente, o Brasil ainda considera válida essa lógica em muitos casos.
A entrevista da jornalista ao 60 minutos, da CBS promete ser a única, não só porque ainda será uma ferida aberta por algum tempo. Novas coberturas do gênero ainda serão difíceis para a profissional. Mas ela não quer virar "a repórter estuprada no Egito", quer ser sim mais uma mulher que luta para que esse tipo de atrocidade não se repita com outras, e é por isso que neste dia em que se fala de Liberdade, mais do que de Imprensa, cito a de Gênero.
A data de hoje foi resultado de uma conferência da UNESCO em 1993, mas o cenário que se pretendia divulgar para evitar a repetição ainda precisa mudar muito. A escolha também marcou uma Declaração emitida em prol da independência e liberdade de imprensa Africana.
Pois Lara Logan era Sul Africana, mas trabalhava para a americana CBS naquela data. Os relatos, para quem não domina o inglês, são bastante chocantes, e a força que ainda demonstra talvez indique inclusive que nem a ficha tenha caído totalmente. Afinal, ser "tragada" por uma multidão ensandecida que começa a gritar que iriam tirar suas calças, cumprir a promessa, afastar colegas e seguranças, ser puxada, agarrada, despida sentindo as roupas serem rasgadas e estuprada com mãos, dedos, ser fotografada nessa situação por celulares de centenas, e em menos de três meses estar à frente das câmeras novamente, conseguindo inclusive manter certa empolgação sobre o momento histórico presenciado em um dia que certamente desejaria esquecer, é, se não heróico, quase insano. Pode ter vindo dos casal de filhos a força que precisava - e cabe relatar que ela mesma diz ter agradecido a nova chance, já que ela saiu de perto deles, o eterno dilema das mulheres que "trabalham fora".
Outra parte igualmente forte é o contraste entre a cobertura e entradas ao vivo que a equipe estava fazendo, relatando a alegria do povo, quando, de repente, há um problema no equipamento, uma luz se apaga, outra, de repente ouve-se o grito da jornalista dizendo "não!" e uma escuridão toma conta do vídeo. É essa escuridão que ficou na minha memória, até mesmo porque lembro sempre de uma frase que vi escrita em uma foto de uma cela do Presídio Central de Porto Alegre anos atrás em um laudo pericial que dizia: "não esqueça que até as sombras te deixam sozinho na escuridão."
Depois desse momento é que inicia o desespero da profissional, que relatou que as demonstrações desse desespero só estimulava os agressores, que apreciaram sua dor e seguiram o estupro e puxões de cabelo, que, por pouco, não resultou em um quase escalpo.
Aos homens que que lerem esse texto, assistirem os vídeos ou virem qualquer outra referência a este fato, lembrem-se sempre do relato de impotência e desespero dos colegas homens de Lara Logan.
De qualquer forma fica aqui a reflexão e a homenagem aos colegas que trabalham mundo a fora para mostrar às pessoas tudo de bom e de ruim que o ser humano é capaz.
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