Os menos ingênuos já sabiam, mas não queriam acreditar. Os crédulos achavam que as instituições políticas brasileiras, como o STF, já haviam superado a tentação de sucumbir aos interesses de grandes grupos de mídia, nesse caso representados por um sindicato patronal. Por esse motivo sempre enquadrei esse tema de duas formas: Jornalismo e Política. Não apenas Jornalismo. Porque a matéria extrapola o que inicialmente parece ser. E eis que hoje, a 17 de junho de 2009, foi derrubada a exigência do diploma de jornalista para exercer a profissão. Leia de novo: não é que estejam passando a permitir que não jornalistas escrevam em jornais, pois isso já era permitido. O que estão permitindo é que não jornalistas sejam jornalistas. Pode ler de novo, é isso mesmo. Liberdade de expressão não é liberdade profissional, e isso quem disse foi um "colega" juiz, Manoel Álvares, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
No dia 26 de outubro de 2005, 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região derruba a liminar. “Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Quanto a esta, a Constituição assegurou o seu livre exercício, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII). O texto constitucional não deixa dúvidas, portanto, de que a lei ordinária pode estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o livre exercício de determinada profissão”, sustentou o relator, juiz Manoel Álvares. O acórdão do julgamento diz, também, que “O inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 atribui ao legislador ordinário a regulamentação de exigência de qualificação para o exercício de determinadas profissões de interesse e relevância pública e social, dentre as quais, notoriamente, se enquadra a de jornalista, ante os reflexos que seu exercício traz à Nação, ao indivíduo e à coletividade”. (Matéria disponível no site da Federação dos Jornalistas sobre o histórico do julgamento da exigência do diploma)
Mesmo assim, o STF julgou inconstitucional, e vejam que ironia, alegam inexistência de técnica e de ciência no Jornalismo que justifiquem o diploma. Bem, então não deve ser necessário diploma para ser juiz, pois não lembro de nenhuma disciplina que ensine a julgar melhor. Também não deve mais ser necessário o diploma de médico, pois o STF citou um discurso de 1916 de Borges de Medeiros defendendo a liberdade profissional, e naquela época vigia a liberdade profissional para a Medicina. Somente em 1932 passou a ser exigido diploma e registro. Voltemos ao início do século XX, então.
Muitos dirão que os principais grupos de Comunicação não deixarão de exigir o diploma pensando na qualidade de seus veículos. Ocorre que existem profissões não regulamentadas, como a de historiador, que não tem um piso salarial, mas obviamente tem formação superior. Quem terá preferência? Não é uma questão de corporativismo, mas de preservar o nível dos profissionais que dirão a todos nós o que está acontecendo, pois estes profissionais, mesmo com nível superior, ao aceitarem esses salários abaixo do que já era pago aos jornalistas certamente não terão como continuar seu próprio aprimoramento, além de demonstrarem pouca consciência e cidadania, comprometendo o nível intelectual e, pior de tudo, estimulando uma política salarial nefasta. Mas como condenar que aceitem pouco se há crise? Bem, os jornalistas possuem um Código de Ética que proíbe que aceitem. E estas outras pessoas que agora passarem a aceitar qualquer quantia, que compromisso ético possuem?
Nos municípios do interior, a situação é ainda pior. Não haverá a preocupação em contratar um profissional diplomado seja em que for. Afinal, a legislação já previa que municípios distantes de centros universitários de formação em jornalismo pudessem aceitar como jornalistas pessoas sem formação específica. Agora, sequer onde houver será obrigatório. Passa a ser possível contratar filhos de prefeitos recém saídos do ensino médio, para dizer o mínimo, pois qualquer um poderá ser "indicado" à vaga.
Sim, acredito que jornais e redes de rádio e televisão sérios continuem estimulando a formação superior. Mas estimular é diferente de exigir. O interessante é que a radiodifusão exige uma formação técnica específica, e são necessários cursos de locutor, embora a pessoa pudesse alegar que está sendo impedida de exercer sua liberdade de expressão em falar no rádio ou na televisão.
A advogada do sindicato que pedia a extinção do diploma, chegou ao cúmulo da ignorância de questionar "como se proibirá o exercício da disseminação da informação pela internet". Ninguém quer isso. Ninguém está dizendo que só jornalistas podem escrever blogs! Ninguém está dizendo que jornalistas devem possuir o monopólio da informação. O que estamos dizendo é que cada profissional deve manifestar-se de acordo com a sua formação para garantir que a informação enviada é, no mínimo, responsável, decorrente de pesquisa, metodologia - científica - e ética. É da APURAÇÃO jornalística que estamos falando. Articulistas, colunistas, colaboradores, esses nunca tiveram a obrigação de serem jornalistas. É por isso que o interesse nessa mudança é macabro e cruel: porque sob um falso véu fantasiado de liberdade de expressão justamente aquele profissional que tem a missão de não só usar do seu conhecimento, mas de ir além e de ouvir o do outro e de dar-lhe voz, aquele profissional foi silenciado. Hoje, estamos de luto. É definitivamente um período difícil para os jornalistas de todo o mundo: no Irã colegas foram impedidos de trabalhar e de mostrar ao vivo o que acontece, ao menos oficialmente; na Venezuela o presidente "exige" mudança de linha editorial de veículos opositores sob pena de cancelamento da concessão; na Coréia do Norte, jornalistas são presas e condenadas a 12 anos de trabalhos forçados, acusadas de uma discutível invasão de fronteira.
Em tempo: único a votar pela exigência do diploma, Marco Aurélio Mello foi também o único a lembrar que "o exercício do jornalismo repercute na vida do cidadão em geral".