Falar em arquivos está na moda. Mas não de qualquer arquivo, tem que ser famoso. Ontem assisti ao novo filme de Dan Brown, Anjos e Demônios, e o acesso aos arquivos do Vaticano despertam um respeito inédito - ao menos por aqui - pelo tema, talvez por sempre estar envolto em grande mistério. Recém agora, por exemplo, foi liberado para o grande público o acesso à carta que gerou o início da Igreja Anglicana, documento enviado ao papa pedindo autorização para divórcio e novo casamento de Henrique VIII. E isso faz apenas (quase) 500 anos.
Em terras tupiniquins, o assunto veio à baila por conta do anúncio da transferência do acervo do escritor Erico Veríssimo para o Instituto Moreira Sales (IMS), que tem instalações no Rio de Janeiro e São Paulo, e que também pode receber o acervo do poeta Mario Quintana. Os bairristas estrilaram: como? Sair daqui? Bem, pode ficar aqui, mal cuidado, ou ao menos em condições aquém das possibilidades que os autores merecem. É claro que como arquivista, jornalista, cidadã, e gaúcha, me orgulharia muito que esses acervos ficassem por aqui. Mas me parece que se não fosse exatamente o orgulho, nem estaríamos falando disto. Não é uma questão de apreço pela cultura, mas de orgulho ferido. E os milhões de metros lineares de arquivos de suma importância DEPOSITADOS - porque muitos lugares não são arquivos, são depósitos - Rio Grande do Sul a fora? E o cenário de profissionais pouco valorizados, de arquivos que só recebem pessoas que não deram certo em outros setores, ou de instituições que montam estruturas monstras para aparecer na mídia mas depois largam à própria sorte os acervos?
Tudo isto precisa ser muito refletido. Se é para ser sério, então vamos fazer uma reflexão a fundo, não são só estes os acervos importantes no RS. Há outros arquivos de pessoas tão famosas quanto precisando de atenção. Alguns recebem o tratamento adequado mas não são divulgados, por falta de "nome". Outros são de anônimos, mas contam a história de toda a sociedade gaúcha. E estes ficam em segundo plano, pois "não dão mídia". Tem muito disso: lança-se uma exposição, recebe-se uma ajuda, depois a instituição vai minguando. É difícil encontrar excessões, embora existam, e honrosas.
Uma coisa que me chamou a atenção foi que o projeto do Centro de Documentação da PUCRS, chamado Delfos, foi anunciado como revolucionário em termos de qualidade. Rezávamos, todos os envolvidos com a área, que estivesse munido tanto de recursos tecnológicos como de profissionais capacitados e de uma política de acervos consistente. Mas até agora não houve pronunciamento. Qual é o real abismo entre o Delfos/PUCRS e o IMS? É a experiência? Ou é birra? Aí, sim, é o caso de questionar. Mas se estamos falando de qualidade, e se ainda não temos aqui nada comparado, bairrismos não contribuem em nada neste momento, a não ser que seja para que tomemos providências no sentido de investir e melhorar.
Quanto à secretária da Cultura... bem, me parece que ela deveria olhar mais para o que já existe antes de aproveitar a janela midiática de que está fazendo todos os esforços possíveis para trazer esta documentação que me parece estar muito bem acompanhada.