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quarta-feira, 1 de abril de 2009

Artigos sobre o diploma de Jornalista

Engajada na campanha pela manutenção do diploma de jornalista, reproduzo abaixo artigo igualmente publicado nos principais jornais do país. Ao final, artigo também divulgado na imprensa pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), a meu ver, de extrema infelicidade, e no final explico minha opinião.


Jornalista, só com diploma

*Sérgio Murillo de Andrade

Em 1964, há 45 anos, na madrugada de 1º de abril, um golpe militar depôs o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura de 21 anos no Brasil. Naquela época, todos os setores, inclusive o Jornalismo, e liberdades democráticas foram atingidas e sofreram por mais de duas décadas.

Em 2009, a sociedade brasileira pode estar diante de um novo golpe, mais direcionado que então. Desta vez, especificamente contra o seu direito de receber informação qualificada, apurada por profissionais capacitados a exercer o Jornalismo, com formação teórica, técnica e ética.

A exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, em vigor há 40 anos (1969/2009), encontra-se ameaçada. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, também em 1º de abril, o recurso que questiona a constitucionalidade da regulamentação profissional do jornalista. O ataque à profissão é mais um ataque às liberdades sociais, cujo objetivo fundamental é desregulamentar as profissões em geral e aumentar as barreiras à construção de um mundo mais pluralista, democrático e justo.

É importante esclarecer: defender que o Jornalismo seja exercido por jornalistas está longe de ser uma questão unicamente corporativa. Trata-se, acima de tudo, de atender à exigência cada vez maior, na sociedade contemporânea, de que os profissionais da comunicação tenham uma formação de alto nível. Depois de 70 anos da regulamentação da profissão e mais de 40 anos de criação dos Cursos de Jornalismo, derrubar este requisito à prática profissional significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do Jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia.

O ofício de levar informação à sociedade já existe há quatro séculos. Ao longo deste tempo foi-se construindo a profissão de jornalista que, por ter tamanha responsabilidade, à medida que se desenvolveu o ofício, adquiriu uma função social cada vez mais fundamental para a sociedade. E para dar conta do seu papel, nestes quatro séculos, o Jornalismo se transformou e precisou desenvolver habilidades técnicas e teóricas complexas e específicas, além de exigir, também sempre mais, um exercício baseado em preceitos éticos e que expresse a diversidade de opiniões e pensamentos da sociedade.

Por isso, a formação superior específica para o exercício do Jornalismo há muito é uma necessidade defendida não só pela categoria dos jornalistas. A própria sociedade, recentemente, já deixou bem claro que quer jornalista com diploma. Pesquisa do Instituto Sensus, realizada em setembro de 2008, em todo o país, mostrou que 74,3 % dos brasileiros são a favor da exigência do diploma de Jornalismo. E a população tem reafirmado diariamente esta sua posição, sempre que reclama por mais qualidade e democracia no Jornalismo.

A Constituição, ao garantir a liberdade de informação jornalística e do exercício das profissões, reserva à lei dispor sobre a qualificação profissional. A regulamentação das profissões é bastante salutar em qualquer área do conhecimento humano. É meio legítimo de defesa corporativa, mas sobretudo certificação social de qualidade e segurança ao cidadão. Impor aos profissionais do Jornalismo a satisfação de requisitos mínimos, indispensáveis ao bom desempenho do ofício, longe de ameaçar à liberdade de Imprensa, é um dos meios pelos quais, no estado democrático de direito, se garante à população qualidade na informação prestada - base para a visibilidade pública dos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas.

A existência de uma Imprensa livre, comprometida com os valores éticos e os princípios fundamentais da cidadania, portanto cumpridora da função social do Jornalismo de atender ao interesse público, depende também de uma prática profissional responsável. A melhor forma, a mais democrática, de se preparar jornalistas capazes a desenvolver tal prática é através de um curso superior de graduação em Jornalismo.

A manutenção da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade à informação livre, plural e democrática.

Somos mais de 60 mil jornalistas em todo o país. Milhares de profissionais que somente através da formação, da regulamentação, da valorização do seu trabalho, conseguirão garantir dignidade para sua profissão, e qualidade, interesse público, responsabilidade e ética para o Jornalismo praticado hoje no Brasil.

E não apenas a categoria dos jornalistas, mas toda a Nação perderá se o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão no país ficar nas mãos de interesses privados e motivações particulares. Os jornalistas esperam que o STF não vire as costas aos anseios da população e vote pela manutenção da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista no Brasil. Para o bem do Jornalismo e da própria democracia.


* Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ


A seguir, o artigo da presidente da ANJ.


Jornalismo independente e de qualidade

Judith Brito *

Jornalismo é uma atividade relacionada diretamente à liberdade de expressão. A divulgação de informações e opiniões pelos meios de comunicação deve acontecer com plena liberdade, com todos tendo o direito de exercê-la, e é isso o que estabelece a Constituição de 88. Mesmo assim, sobrevive até hoje lei baixada em 1969 por uma junta militar, no auge do autoritarismo, que limita o exercício do jornalismo a quem tenha diploma universitário de jornalista.

A constitucionalidade dessa lei do período militar está na pauta de hoje do Supremo Tribunal Federal. A questão não diz respeito apenas a jornalistas ou empresas jornalísticas, mas a toda a sociedade, já que a liberdade de expressão é um direito social fundamental. Os cidadãos têm o direito de serem livremente informados, sem nenhum tipo de cerceamento.

Pretender que apenas quem passa por uma escola de Jornalismo será um bom repórter, um bom jornalista, é desconhecer a essência da atividade. Cidadãos com diferentes formações podem ser excelentes jornalistas, apurando e divulgando com competência e responsabilidade as informações que interessam à sociedade. O fundamental é a capacidade de apreender a realidade e transmiti-la dentro das características de cada mídia. Essa capacidade depende, mais do que tudo, de talento e de formação humanista. Jornalismo não é uma atividade técnica, como a medicina ou a engenharia.

As empresas jornalísticas valorizam os profissionais formados nas boas escolas de Jornalismo e não podia ser diferente. Eles tiveram um aprendizado voltado especificamente para essa atividade. Mas, muitas vezes, gente com outra formação profissional ou que simplesmente tem um talento especial acaba engrandecendo a reportagem, o jornalismo ou o exercício da opinião nos meios de comunicação. E isso é o que importa para a sociedade, no seu direito de ser livremente informada.

Imagine se houvesse uma lei determinando que apenas quem passasse por uma determinada escola universitária teria direito a escrever livros? Seria uma restrição absurda, obviamente contrária à liberdade de expressão. De alguma forma, é o que se criou no Brasil com a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, limitação que inexiste na maior parte dos países, especialmente naqueles com tradição democrática.

A revolução digital que chegou aos meios de comunicação torna ainda mais obsoleta essa ideia de que apenas alguns podem exercer o jornalismo. Mais do que restrições à liberdade de expressão, o que interessa à sociedade é jornalismo independente e de qualidade.

*Presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ)


Somente interesses comerciais - e nunca sociais - podem levar alguém a defender da forma defendida acima a não obrigatoriedade do diploma. Além de caminhar para trás, diminuindo a qualidade do jornalismo, é também uma opinião que não parece vir de alguém que trabalha no meio, embora venha. Efetivamente, se é para falar de história, pode-se convidar um historiador para esse fim. Sobre medicina, um médico. Sobre direito, um advogado. Sobre economia, um economista. Mas ele não conhece as técnicas jornalísticas - sim, senhora presidente, jornalismo é teoria e técnica. Linguagem de jornal, revista, rádio e televisão diferem, e os demais profissionais não conhecem - e nem precisam - conhecer estas particularidades. É por isso que eles não cursaram jornalismo! Para ater-se no que é matéria especializada deles. E porque a sociedade precisa de historiadores, médicos e advogados para fazerem o que jornalista não faz: pesquisar períodos não atuais e fazer estas relações, fazer cirurgias, conhecer o código civil, trabalhista, penal, etc. E é por isso que nós estudamos jornalismo, para não apenas reportar o presente e escrever sobre os assuntos consultando as pessoas que deles entendem, mas para entender os meios de divulgação desta mensagem. Temos ainda a responsabilidade de quando colocarmos um assunto em pauta, ouvir fontes diversas, para dar maior opção ao leitor sobre em quem acreditar ou não, ou vontade de ir mais a fundo. Será que o médico, ao ir na televisão, vai fazer o textinho dele do jeitinho que "cabe" na tv? Ou vai fazer um roteiro? Claro que não! E quem vai fazer? O jornalista!

Se acabarmos com a obrigatoriedade do diploma, a bagunça estará instalada. Vamos logo, então, terminar com as provas da OAB, aliás, com o curso de Direito. Se eu estudar sozinha, posso muito bem me defender. Vamos também colocar as parteiras em consultórios próprios. E por aí vai. Se só o conhecimento do "la garantía soy yo" é que vale, então vamos generalizar. E, aí, vamos ver se a qualidade dos serviços não vai decair, se os processos não vão aumentar e se não é a sociedade quem vai ser a maior prejudicada.

Mas, o pior de tudo, é dizer que a exigência o diploma de jornalismo é contra a liberdade de expressão. É justamente isso que GARANTE a liberdade de expressão, a pluralidade de idéias, a busca de diferentes fontes, um código de ética diretamente relacionado à informação. Em forma de entrevistas ou de envio de artigos continuarão a ser ouvidos todos os segmentos da sociedade, do especialista à pessoa comum. Mas é o jornalista quem irá procurar essas pessoas, com o compromisso assumido em seu juramento de jornalista. Juramento que um provisionado não fez.

Uma piada de mal gosto como essa só podia mesmo ter julgamento no dia 1º de abril, inclusive com o fatídico aniversário de 45 anos de um outro golpe, que, este sim, ameaçava a liberdade e a imprensa, que, caso as pessoas já tenham esquecido, não significa acabar com a qualidade deixando qualquer pessoa sem compromisso ético escrever, mas sim permitir ao jornalista o acesso à informação para que esta chegue ao público da forma mais isenta possível, e este jornalista sabendo que não existe isenção total, mas reconhecendo o compromisso com o público, e não com determinado grupo, e compensando isto com a busca de diferentes opiniões e fontes, fontes estas que precisam ter a garantia de não ser expostas em suas denúncias que vem garantindo a chegada da verdade à sociedade.

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