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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Até onde vai a liberdade de opinião

A mais recente polêmica midiática é a do mamaço, exibida no programa CQC 3.0, que vai "ao ar" na web após o da tv. Na última segunda-feira dois dos integrantes, "Rafinha"e Marco Luque, criticaram a "exibição dos mamilos" na amamentação, pregando que a mulher "pelo menos tape com um paninho" o seio. E encerraram falando de gravações de partos e exibição da genitália. Enquanto isso Marcelo Tas tentava contemporizar. Depois disso, choveram manifestações na web, inclusive mais mamaços (para os não iniciados, ato de dar de mamar coletivamente como forma de protesto). Bem, pessoalmente acho que o seio é para amamentar e se ele ganhou conotação sexual como o tempo deveria ser problema de quem vê seios assim. Tem gente que tem fetiche por pés e não vi ninguém sendo obrigado a usar coturnos. Daqui a pouco estaremos como os talibãs, obrigados a usar burcas, barbas, turbantes.



Entre proibir e manifestar que se sente incomodado, tem uma grande diferença, e proibir essa manifestação retorna ao problema inicial: qual opinião é a (mais) "certa"? Quem tem ou não direito de expressá-la? Francamente acredito que é melhor ter opiniões divergentes às claras do que fazer crescer monstros silenciosos. Melhor debater que sufocar assuntos.

Hoje, em Zero Hora (página 2), o colunista David Coimbra fez um lúcido embora como sempre um pouco exagerado texto sobre a vitimização e a intolerância à tolerância vigentes. É preciso lembrar que tanto ele quanto os humoristas acima citados costumam encarnar um certo personagem em seus programas. Mas as pessoas parecem ter dificuldade em fazer essa fina distinção, logo, pior fica quando encontram quem está falando definitivamente sério. A refletir:




    03 de junho de 2011 | N° 16719
    DAVID COIMBRA

        * As vítimas do Brasil

          OBrasil atingiu um nível de tolerância intolerável. Estamos sob a tirania dos mais fracos. Basta o sujeito ser de uma suposta minoria para oprimir a suposta maioria. Exemplo da hora: os ciclistas de Porto Alegre. São os oprimidos opressores do momento. Um psicopata engatou uma terceira e tocou o carro por cima de uma vintena deles, semanas atrás. Um crime, um absurdo e tudo mais. Mas por que os ciclistas estavam ocupando TODA a via PÚBLICA na hora do atropelamento? Por que os ciclistas de Porto Alegre, quando pedalam em grupo, continuam ocupando TODA a via pública?

          Outro dia alguém se queixou por ter ficado 15 minutos preso atrás de um pelotão de ciclistas, numa sexta à noite. Disse assim, o queixoso:

          – E se eu estivesse indo para o hospital? E se fosse uma emergência?

          Ora, não é preciso haver uma emergência para censurar quem bloqueia a via pública sem permissão. Posso estar indo ao cinema, ou para a minha casa, ou posso estar simplesmente rodando à toa, não interessa, eles NÃO TÊM DIREITO de obstruir a rua. Só que o caso do atropelador psicopata lhes conferiu uma arrogância desafiadora. Já vi ciclista xingando motoristas, ameaçando chutar a lataria do carro. Eles agora são inimigos do motor à explosão, defensores intransigentes da tração animal. E ninguém pode dizer que prefere andar de carro. Por quê? Porque se transformaram em vítimas. A vítima pode tudo, no Brasil.

          O cara fala nóis fumo, nóis vortemo, nóis pega os livro, mas num sabe lê? Não ouse corrigi-lo. Se o fizer, você revelará todo o seu preconceito linguístico, você será da classe dominante que oprime a classe dominada com a gramática. Pobre classe dominada, sufocada por mesóclises e concordâncias perfeitas. Há que se tolerar quem não fala a “norma culta”. Se o professor disser que quem fala nóis pega us livro está “falando errado”, o aluno vai se traumatizar, vai “se sentir entre dois mundos”. Mais uma vítima nesse país de vítimas.

          As verdadeiras vítimas do Brasil são os poderosos. Ou os supostamente poderosos: os parlamentares. Você quer posar de revolucionário, de defensor dos mais fracos, de corajoso? Enxovalhe o parlamento. Fale que é tudo culpa dos políticos, inclusive daquela taipa que você elegeu. É sempre saudável desancar um político. Faz bem para a pressão, alivia o estresse, todo mundo concorda com você e você se sente... uma vítima. Todos somos vítimas dos políticos.

          Agora mesmo, em meio à polêmica Bolsonaro-homofobia, ouvi gente boa defendendo publicamente o fim da imunidade parlamentar. Seria o mesmo que acabar com o Legislativo. Porque o deputado pode até ser uma besta, mas ele tem direito de dizer besteira. Ele é um parlamentar; o parlamentar parla. Bolsonaro está defendendo ideias retrógradas e tacanhas porque representa um eleitorado retrógrado e tacanho. Que tem direito à representação. Bolsonaro diz que não aceitaria que o filho dele fosse homossexual. O eleitorado dele também não aceitaria. Eu mesmo, eu aceitaria sem problemas que meu filho fosse homossexual, desde que não fosse corrupto ou vegetariano.

          Pronto. Acabei de transformar os vegetarianos em vítimas.

2 comentários:

Viviane Pereira disse...

Perfeita a sua colocação Letícia!

Viviane Pereira disse...

Letícia tomei a liberdade de reproduzir seu texto no meu blog http://www.cqcblog.com/2011/06/cqc-e-o-mamaco.html